sábado, 13 de fevereiro de 2010

Tudo partido social-democrata

Não sendo analista político, tenho dificuldade em compreender a razão pela qual o PSD tem tão pouca vocação para fazer oposição ao Governo quando tem tanta habilidade para fazer oposição a si mesmo. Lá talento para litigar têm eles, mas gostam mais de o exercitar uns com os outros do que com o PS. Ao PS, aliás, o PSD tem pouco a apontar. Basicamente, Sócrates está a fazer tudo mais ou menos como eles acham que deve ser feito. Nada disto é estranho, apesar de tudo. Ninguém duvida de que o PSD tenha um plano para salvar Portugal, mesmo que aparentemente não tenha um plano para se salvar. Toda a gente percebe que o PSD é mais difícil de governar do que o país. Proporcionalmente, o PSD tem mais gente com ambições políticas do que o país, mas barões do que o país, e mais Albertos Joões Jardins do que o país. É óbvio que se trata de um partido ingovernável. Até porque as ambições políticas dos seus membros são sazonais: curiosamente, só se manifestam quando o PSD está no poder. Além disso, num partido normal, mesmo que os militantes tenham perspectivas diferentes sobre tudo o retso, pelo menos entendem-se quanto à ideologia. No PSD, que é um partido que se caracteriza por não ter ideologia nenhuma, a harmonia é rara e difícil. Veja-se o que sucede agora: o António Capucho não concorda com o Luís Filipe Menezes; o Luís Filipe Menezes não concorda com o Rui Rio; o Rui Rio não concorda com o Pacheco Pereira; e o Pacheco Pereira não concorda com ninguém. O caso complica-se quando constatamos que Luís Filipe Menezes, na ânsia de agradar a toda a gente, diz com frequência uma coisa e o seu exacto inverso, o que faz com, muitas vezes, o presidente do PSD nem consigo mesmo concorde. E o trágico é que há quem diga que esta é a sua melhor qualidade. Faz sentido: Luís Filipe Menezes não é uma alternativa a José Sócrates. É várias. Menezes tem opiniões para todos os gostos. Há propostas capazes de agradar a todos os sectores da sociedade portuguesa, e ainda a alguns sectores de certas sociedades estrangeiras. As únicas pessoas a quem Menezes não consegue agradar, por mais que tente, são os militantes do PSD. O grande problema parece ser, portanto, este: Luís Filipe Menezes é tão popular dentro do PSD como Sócrates no país. Talvez seja por isso que Menezes aparece sempre tão mal classificado nas sondagens: se calhar, a Universidade Católica anda a recolher opiniões na Rua de São Caetano à Lapa.


'Novas Crónicas da boca do Inferno'
Ricardo Araújo Pereira

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Quarto de vista para o fim do mundo

Neste momento, a comunidade científica está dividida: certos cientistas acreditam que há pessoas a menos na Terra; outros acreditam que há pessoas a mais. Os que defendem que há pessoas a menos, como é óbvio, nunca tentaram atravessar a ponte 25 de Abril numa segunda-feira de manhã. Há que fazer mais pesquiza, companheiros. Por outro lado, a discussão terminaria com proveito para toda a gente se os cientistas que consideram que o planeta tem gente a mais morressem todos contribuíam para a diminuição da densidade populacional e deixavam de chatear quem não se importa de viver apertado.
Confesso que não me interesso especialmente por questões demográficas, mas tenho um problema: sempre que se publica um desses estudos segundo os quais o mundo tem excesso de população, eu sinto que sou uma das pessoas que estão cá a mais. Maldito sentimento de culpa.
Uma coisa é certa: todos os estudos que apontam para o cenário catastrófico de um mundo superlotado parecem esquecer um facto a meu ver importante: boa parte das pessoas que estão vivas são idiotas. E essa idiotia acaba por lhes reduzir bastante a esperança de vida. Repare o leitor no seguinte neste momento, cerca de três dezenas de menbros de uma seita russa estão barricados numa caverna a sudeste de Moscovo. Todos eles estão convencidos de que o mundo vai acabar em Maio de 2008 (o que me causa algum transtorno, porque já tenho coisas combinadas para Junho) e ameaçam cometer suicídio colectivo. Enquanto houver gente destam, o planeta nunca há-de rebentar pelas costuras.
Atenção: não digo que esta gente seja idiota por acreditar que o mundo vai acabar daqui a seis meses. Cada um acredita no que quiser e ninguém nada com isso. Eu também acredito que ainda hei-de casar com a Scarlett Johansson e não há quem me convença do contrário - nem mesmo a Scarlett, que que bem podia parar de fazer queixa de mim à polícia. O que eu reputo de idiota é a opção pelo suicídio a escassos meses do fim do mundo. Como é possível ponderar a hipótese de perder o fim do mundo, que deve ser um espectáculo tão bonito? Se me disserem que o mundo acaba daqui a cinco minutos, eu vou fazer pipocas e sento-me à janela. Suicidar-me, além de estúpido, é estar a trabalhar para o boneco. É verdade que, por mais vistoso que seja o fim do mundo, no dia seguinte não poderemos comentá-lo com ninguém. Mas não deixa de ser reconfortante saber que também não há qualquer hipótese de lermos um daqueles comentários irritantes dos críticos a quem tudo sabe a pouco: «As bolas de fogo não eram assim tão grandes. Nem chamuscado fiquei», ou «O apocalipse podia ter sido mais apocalíptico, especialmente no final.» Não, meus amigos. Eu não perco o fim do mundo por nada deste mundo.


'Novas crónicas da boca do inferno'
Ricardo Araújo Pereira

desvaneios da mente

Pensamentos vão e vêm e apoderam-se da minha mente... Pensamentos negativos que tornam em desespero o sentimento feliz que sentia e ainda sinto... Estes pensamentos tomam as rédeas da direcção a tomar, e o meu sentimento sente-se a afogar... Preciso de uma maré renovadora... Preciso do sal revelador que me eleve o espírito e me mostre a direcção mais feliz, mais certa para o grande sentimento poder-se revelar e, quem sabe, aumentar?

Sobre um pequeno pormenor chamado liberdade

Eu não gosto de militares. Não gosto da ética militar, nem da brutalidade, nem daquele fanatismo patriótico que é, com muita frequência, trágico.
E também não gosto do povo. Não gosto da irresponsabilidade da multidão, nem daqueles que parecem ser os dois principais factores de interesse da massa popular: aglomerar-se em torno de acidentes rodoviários e insultar as camionetas que levam os arguidos para o tribunal. Tinha um amigo da UDP (notem que é possível fazer amizade com gente da UDP) que gritava com gosto a palavra de ordem do partido: "UDP, sempre ao lado do povo!" E depois acrescentava, mais baixinho: "Mas nunca no meio dele." O escritor Mário de Carvalho costuma advertir para a necessidade de distinguir o povo do populacho, porque o primeiro é um conceito nobre e até mítico, e o segundo é uma massa infame. O problema é que é difícil encontrar o povo, mas é muito fácil dar de caras com o populacho.
E, no entanto, foram os militares e o povo que fizeram o 25 de Abril. Às vezes dá-se o caso de um casal muito feio ter um filho muito bonito. Parece-me que foi o que aconteceu, embora nem toda a gente esteja convencida da beleza da criança. Para mim, o mais divertido nas comemorações do 25 de Abril têm sido as tentativas para tornar a data «mais consensual». O Dia da Liberdade não reúne consenso, o que me deixa verdadeiramente surpreendido. Percebo que a liberdade não seja consensual, mas do meu ponto de vista ninguém teve razões de queixa: para quem aprecia a liberdade, o 25 de Abril foi agradável; para os que não gostam, foi uma oportunidade para fazerem aquela viagem ao Brasil que tinham andado tanto tempo a adiar. Sempre pensei que a dara agradasse a todos.
Na verdade, porém, o 25 de Abril parace agradar a cada vez menos gente. Há autores para quem o salazarismo não foi um fascismo, e outros para quem o 25 de Abril não foi exactamente uma revolução. O que faz com que, aparentemente, na frase «25 de Abril sempre, fascismo nunca mais», não haja nada que se aproveite. Nem o 25 de Abril foi 25 de Abril, nem o fascismo foi fascismo.
E por isso, amanhão, numa data que, pelos vistos, não chegou a ocorrer, comemora-se a nossa libertação de um opressor que, ao que me dizem agora, nunca existiu. Até parece mais bonito assim, não parece? Parece. Resumindo e concluindo: 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.


'Novas crónicas da boca do inferno'
Ricardo Araújo Pereira