sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Quarto de vista para o fim do mundo

Neste momento, a comunidade científica está dividida: certos cientistas acreditam que há pessoas a menos na Terra; outros acreditam que há pessoas a mais. Os que defendem que há pessoas a menos, como é óbvio, nunca tentaram atravessar a ponte 25 de Abril numa segunda-feira de manhã. Há que fazer mais pesquiza, companheiros. Por outro lado, a discussão terminaria com proveito para toda a gente se os cientistas que consideram que o planeta tem gente a mais morressem todos contribuíam para a diminuição da densidade populacional e deixavam de chatear quem não se importa de viver apertado.
Confesso que não me interesso especialmente por questões demográficas, mas tenho um problema: sempre que se publica um desses estudos segundo os quais o mundo tem excesso de população, eu sinto que sou uma das pessoas que estão cá a mais. Maldito sentimento de culpa.
Uma coisa é certa: todos os estudos que apontam para o cenário catastrófico de um mundo superlotado parecem esquecer um facto a meu ver importante: boa parte das pessoas que estão vivas são idiotas. E essa idiotia acaba por lhes reduzir bastante a esperança de vida. Repare o leitor no seguinte neste momento, cerca de três dezenas de menbros de uma seita russa estão barricados numa caverna a sudeste de Moscovo. Todos eles estão convencidos de que o mundo vai acabar em Maio de 2008 (o que me causa algum transtorno, porque já tenho coisas combinadas para Junho) e ameaçam cometer suicídio colectivo. Enquanto houver gente destam, o planeta nunca há-de rebentar pelas costuras.
Atenção: não digo que esta gente seja idiota por acreditar que o mundo vai acabar daqui a seis meses. Cada um acredita no que quiser e ninguém nada com isso. Eu também acredito que ainda hei-de casar com a Scarlett Johansson e não há quem me convença do contrário - nem mesmo a Scarlett, que que bem podia parar de fazer queixa de mim à polícia. O que eu reputo de idiota é a opção pelo suicídio a escassos meses do fim do mundo. Como é possível ponderar a hipótese de perder o fim do mundo, que deve ser um espectáculo tão bonito? Se me disserem que o mundo acaba daqui a cinco minutos, eu vou fazer pipocas e sento-me à janela. Suicidar-me, além de estúpido, é estar a trabalhar para o boneco. É verdade que, por mais vistoso que seja o fim do mundo, no dia seguinte não poderemos comentá-lo com ninguém. Mas não deixa de ser reconfortante saber que também não há qualquer hipótese de lermos um daqueles comentários irritantes dos críticos a quem tudo sabe a pouco: «As bolas de fogo não eram assim tão grandes. Nem chamuscado fiquei», ou «O apocalipse podia ter sido mais apocalíptico, especialmente no final.» Não, meus amigos. Eu não perco o fim do mundo por nada deste mundo.


'Novas crónicas da boca do inferno'
Ricardo Araújo Pereira

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